Naquele dia você acorda sabendo que vai ter a notícia.
Se a pesquisa estiver aprovada, parabéns, é notícia boa! Se não, paciência, o lance é continuar estudando e aguardar o próximo edital. É assim com iniciação científica, mestrado, doutorado, com a diferença de que quando se trata da primeira pesquisa a ser desenvolvida as coisas são um pouco mais intensas.
No meu caso, junto com a notícia de que havia me tornado bolsista de pesquisa veio também a notícia de que todos nós, do grupo de pesquisa, participaríamos em breve de um congresso importante na USP. Para o congresso, seria preciso preparar um resumo expandido e um texto completo de 10 páginas, além da comunicação oral em uma sala cheia de pessoas muito mais experientes e conhecedoras do assunto que eu. A elaboração do resumo foi relativamente fácil, mas a do texto completo…
O mais difícil é olhar a tela em branco do computador e não saber por onde começar.
Aí você coloca o título, o seu nome e o do orientador, escreve “Introdução”, e a introdução não aparece. O texto precisa de um início panorâmico, de preferência que seja atraente ao leitor, mas você não encontra a inspiração. Depois de muitos minutos – às vezes, horas – com o olhar perdido na tela, entre muitas leituras de textos de terceiros buscando a tal inspiração, você decide começar dizendo do objetivo. Funciona? Funciona, quando o problema não é adiado. Objetivo descrito, a inspiração precisa aparecer logo depois.
A tortura de escrever o texto pode se estender por uma semana inteira antes da entrega. São várias noites sem dormir direito, aguardando ansiosamente a resposta do orientador sobre o que já está pronto, isso quando já existe algum material para mostrar. Caso contrário, começa a pressão do orientador para que você mostre o texto que ainda não saiu da primeira página.
Surgem as dúvidas sobre o referencial teórico, se aquela pesquisa é realmente relevante, se o método é o mais adequado…
Outros estudantes passam na rua rindo, felizes, e você pensa: “eu era feliz assim e não sabia!”. Pois é.
Às vezes está uma tarde bonita de sol, você tem vontade de parar de estudar só um pouquinho para tomar um sorvete na esquina, mas se lembra de que ainda não terminou a revisão teórica. À noite, você quer ir àquela festinha onde vai estar “aquela pessoa”, mas ainda tem meia dúzia de artigos para ler.
No final, quando o texto fica pronto, você ganha de brinde um par de olheiras e aquele ar sonhador de quem não faz mais parte deste mundo.
E não faz, mesmo! Não dá tempo, ainda falta preparar a apresentação…
Toda essa visão desoladora some assim que o congresso termina, com a comunicação oral apresentada, discutida e aprovada pelos presentes na sala. A sensação de dever cumprido é boa, mas a sensação de pertença é muito melhor: sou um pesquisador, tenho a responsabilidade de produzir conhecimento, de buscar saber mais, de ter algo a transmitir para os outros!
Eu faço parte disto!
Quem já foi picado por esse mosquitinho sabe do que estou falando.
Aos poucos, os primeiros dias de insegurança ficam para trás e tornam-se uma boa lembrança – não sem um pouco de sofrimento, é verdade. Você se lembra do título do primeiro texto, da viagem ao primeiro congresso, dos amigos… Isso se torna assunto a ser contado com orgulho para o próximo pesquisador iniciante: “na minha época, quando eu comecei a pesquisar…”.
Vale a pena!
Sandra Resende